Como a proximidade das festas de fim de ano e o longo período
de cárcere têm levado alguns executivos de empreiteiras a entrar em depressão.
Quatro deles já admitem a delação premiada em troca da liberdade
Mário Simas Filho (mariosimas@istoe.com.br) - Há menos de um ano Eduardo Leite, vice-presidente da Camargo
Corrêa, realizou o antigo desejo de comprar um apartamento na Vila Nova
Conceição, um dos endereços mais sofisticados de São Paulo. Desde então, ele e
a mulher vinham planejando inaugurar a nova residência na noite de Natal,
quando o imóvel, avaliado em R$ 5,5 milhões, seria oficialmente apresentado a
toda família.
Ao longo de 2014 o apartamento veio sendo cuidadosamente decorado
e a ideia era que a família se reunisse para celebrar o Natal e ao mesmo tempo
promover uma espécie de comemoração ao sucesso obtido pelo jovem trainee que
entrou na construtora em 1994 e se tornou o executivo titular de um dos mais
cobiçados cargos numa das maiores empreiteiras do País. Na terça-feira 16,
Leite soube oficialmente que as festas de fim de ano não serão como planejadas.
Acusado de ser um dos corruptores no escândalo da Petrobras, ele passará as
noites de Natal e de Réveillon sobre o colchonete instalado na fria cela de
seis metros quadrados que divide com outros três presos pela Operação Lava
Jato, na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba (PR).
Deprimido, quase não fala com os colegas e pouco se alimentaA
notícia de que estará confinado nas festas de fim de ano provocou uma enorme
mudança no comportamento do executivo.
Entre os 11 diretores de empreiteiras
encarcerados desde 14 de novembro, Eduardo Leite era apontado como um dos mais
refratários às delações premiadas propostas pelo Ministério Público Federal e
mostrava-se otimista em relação aos recursos jurídicos que procuram
libertá-los.
“É evidente que a prisão funciona como uma forte pressão
psicológica e muitos buscam a delação em troca de penas mais brandas”, disse um
dos procuradores da Operação Lava-Jato na quinta-feira 18. “Até a semana
passada Eduardo Leite era um dos que mais animavam os colegas de cadeia a
resistirem às propostas de acordo”, completou o procurador. Mas, segundo
advogados ouvidos por ISTOÉ, nos últimos dias o executivo vem insistindo na
tese de que o melhor seria aderir à delação premiada desde que lhe seja
assegurada a liberdade.
Na última semana, Leite permaneceu mais calado do que
de costume e a outros presos disse que está muito perto de “dar a mão à
palmatória”. “Está muito difícil para ele enfrentar essa situação e a cada dia
o vejo mais deprimido”, disse um dos advogados que visitaram os empresários.
Leite é hipertenso e no início do mês chegou a apresentar dois picos de
pressão.
Desde então ele mantém, ao lado do beliche onde dorme, um aparelho com
o qual monitora a pressão pelo menos duas vezes ao dia. De acordo com o ex-diretor
da Petrobras Paulo Roberto Costa, Leite teria sido beneficiado com cerca de R$
20 milhões provenientes de obras superfaturadas.
A prisão funciona como uma forte pressão psicológica e
muitos buscam a delação em troca de penas mais brandas
Com a proximidade das festas de fim de ano a vida fica mais
difícil para os diretores e executivos das maiores empreiteiras do País. Até o
início da semana passada, apesar do sofrimento provocado por um mês de
confinamento, havia entre eles um certo otimismo com a possibilidade de obterem
algum benefício jurídico. Na terça-feira 17, dois advogados disseram a seus
clientes que dificilmente será concedida a liberdade.
A informação transmitida
aos presos foi a de que a Justiça só deverá se manifestar, sobre os recursos que
procuram tirá-los da carceragem, em fevereiro.
“Recebi recados dos tribunais
superiores dizendo que nada mudará até o fim do recesso judicial”, disse à
ISTOÉ na quinta-feira 18 um dos advogados que atuam a favor dos empreiteiros.
Entre os delegados e procuradores da Operação Lava Jato, a avaliação é a de que
a manutenção das prisões nesse período de festas possa provocar uma avalanche
de delações premiadas logo no início de 2015.
ISTOÉ apurou que se depender do
estado psicológico dos presos é possível que novas denúncias surjam antes mesmo
da virada do ano.
Os 11 empresários ainda encarcerados dividem três celas de
seis metros quadrados. Eles não têm banheiro privativo, televisão nem
geladeira. Em cada cela há um beliche de alvenaria e colchonetes são colocados
no chão para que todos possam dormir.
É nesse ambiente, onde os únicos “luxos”
são algumas garrafas de água mineral Evian, poucas barras de chocolate
importado levadas por advogados e pacotes de biscoitos, que além de Eduardo
Leite outros três presos manifestaram nos últimos dias o desejo de contar tudo
o que sabem. Uma situação vista com otimismo pelos procuradores e delegados e
com preocupação pelos advogados das empreiteiras.
O presidente da OAS, José
Aldemário Pinheiro Filho, conhecido como Léo Pinheiro, tem deixado os colegas
da empresa bastante tensos. Acostumado a viver em um apartamento de 400 metros
quadrados com cinco vagas de garagem no Alto de Pinheiros – ao lado de um dos
principais parques de São Paulo – desde que foi preso em 14 de novembro ele vem
insistindo com os advogados em aceitar a delação premiada. No início de
dezembro começou a apresentar sinais de depressão.
Na última semana, em pelo
menos duas ocasiões deixou de sair da cela para tomar sol e pouco tem falado
com os demais presos, inclusive com os três companheiros de empresa também
encarcerados.
“Me disseram que ele tem chorado muito, quase não conversa e
pouco se alimenta”, afirmou à ISTOÉ um advogado com acesso aos presos. O estado
psicológico de Léo Pinheiro se agravou depois que o ministro Teori Zavascki, do
Supremo Tribunal Federal, negou habeas corpus a seu favor, na sexta-feira 12.
Outros presos disseram a seus advogados que durante a semana passada Léo
Pinheiro nem sequer deixou a cela para conversar no “lounge”, um espaço com
cerca de 14 metros quadrados que os próprios presos organizaram com colchonetes
e lençóis onde costumam passar o tempo conversando e lendo.
Denunciado pela prática dos crimes de lavagem de dinheiro,
fraude em licitações e corrupção ativa, o presidente da OAS planejava
inicialmente passar as festas de fim de ano na Europa.
Quando veio a prisão
chegou a comentar com parentes e advogados que certamente não poderia deixar o
País e que passaria as festas em sua casa de quatro dormitórios, localizada em um
condomínio de luxo em Maresias, no litoral norte de São Paulo. Jamais imaginou
que passaria Natal e Réveillon calçando um chinelo de dedos e comendo marmitex.
“Ele já estava bastante abalado e queria contar tudo o que sabe. Agora está
muito pior”, disse o parente de um dos presos que esteve na Superintendência da
PF de Curitiba na semana passada.
Delegados e procuradores da Operação Lava
Jato ouvidos por ISTOÉ na quinta-feira 18 avaliam que, caso Léo Pinheiro
resolva trilhar o caminho da delação premiada, as investigações poderão avançar
para além dos limites da Petrobras e chegar aos principais fundos de pensão do
Brasil.
Advogados avaliam que só em fevereiro, depois do
recesso judicial, alguns recursos poderão ser julgados
Ao contrário dos presos que costumam frequentar o sistema
penitenciário nacional, os executivos e diretores das principais empreiteiras
do Brasil que estão encarcerados na PF de Curitiba não precisam usar uniformes.
Mas não podem usar cintos nem cadarço nos sapatos. Anéis e relógios caríssimos
tiveram de ser deixados com os carcereiros e as conversas com as visitas que
recebem semanalmente só podem ser feitas no mesmo parlatório onde recebem as
orientações dos advogados.
Durante o dia, eles podem se deslocar ao pátio
externo em duas turmas distintas. Uma entre as 8h e as 10h e, a outra, entre
10h e meio-dia. Podem, porém, circular livremente entre as celas e a pequena
área que chamam de lounge. Nas duas últimas semanas, no entanto, o
vice-presidente da Mendes Júnior, Sérgio Mendes, raramente tem sido visto nas
áreas comuns da carceragem, segundos advogados ouvidos por ISTOÉ.
De acordo com o relato feito por alguns presos a seus familiares, Sérgio Mendes
tem se isolado dos demais e com frequência tem sido flagrado chorando em um
canto de sua cela. “Hoje, ele (Sérgio Mendes) é um homem completamente
diferente daquele que chegou em novembro. Nos primeiros dias de prisão, Sérgio
Mendes passou uma imagem de arrogante”, lembra um dos advogados dos
empreiteiros. “Chegou a Curitiba em um jatinho particular e parecia ter a
convicção de que seria libertado em poucos dias.”
Depois de uma semana preso,
Sérgio Mendes passou a cogitar aderir à delação premiada, mas foi convencido
por advogados a prestar um depoimento colocando-se como vítima de extorsão de
políticos e ex-diretores da Petrobras. Admitiu ter pago R$ 8 milhões ao doleiro
Alberto Youssef e afirmou que o ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa teria
ameaçado cortar os pagamentos devidos à Mendes Júnior caso a propina não fosse
paga.
Logo depois de prestar o depoimento, pediu à Justiça que fosse revista
sua prisão. Mas em 1º de dezembro o juiz Sérgio Moro negou seu pedido. “Desde
que percebeu o fracasso da estratégia de defesa, Sérgio Mendes vem se
deprimindo a cada dia”, afirma um advogado. “Ele cogitou várias vezes estar
sendo pressionado pela família a fazer a delação premiada e já pediu a amigos
para procurarem um especialista para tratar dessa questão”, concluiu o
advogado.
Apontado como o líder do clube dos empreiteiros, o presidente
da UTC, Ricardo Pessoa, é um dos mais abalados emocionalmente. Como não pode
fumar nas dependências da Superintendência da PF, ele tem aumentado a cada dia
a carga de adesivos usados para tentar substituir a nicotina. Baiano e tido
como falastrão, até ser preso Pessoa planejava passar Natal e Réveillon em Nova
York. Ele costumava comentar com amigos suas façanhas financeiras.
O executivo
assumiu o comando da empresa em 1997 e logo mudou-se para São Paulo onde passou
a residir em uma cobertura com 600 metros quadrados nos Jardins. Em abril, um
mês depois de deflagrada a Operação Lava Jato, Pessoa investiu R$ 1,5 milhão na
compra de dois imóveis comerciais.
Na cadeia, segundo advogados e membros da
Lava-Jato, o diretor da UTC foi um dos primeiros a sinalizar com a
possibilidade de um acordo em troca da liberdade. Na sexta-feira 19, havia
boatos de que tanto ele quanto Léo Pinheiro haviam acertado os termos da
delação. Advogados ouvidos por ISTOÉ não confirmaram a informação, mas nos
depoimentos que Pessoa prestou à Polícia Federal ele envolveu os nomes de
líderes da oposição nos escândalos investigados e admitiu a formação de cartel
para lesar os cofres da maior estatal do País. Duas das exigências defendidas
pelo procurador-geral da República para a delação premiada.
Assim como aconteceu com seus colegas de cadeia, Pessoa vem
se mostrando extremamente depressivo desde que o ministro Teori Zavascki negou
o habeas-corpus. “O Ricardo (Pessoa) está a ponto de explodir.
Ele não fala
mais com ninguém, chora em todos os cantos e passa boa parte das noites sem
conseguir dormir”, revelou a um advogado um dos presos que divide a cela com o
diretor da UTC. Se depender das decisões que veem sendo tomadas pela Justiça
até agora, não há por que os executivos e diretores de empreiteiras fazerem
qualquer plano de liberdade antes do Carnaval.
Foto: Zenone Fraissat/Folhapress