publicado em 8 de setembro de 2008 às 21:52
por Luiz Carlos Azenha
O Jornal do Brasil chegou às bancas hoje pela
última vez. Presumo que tenha sido resultado de uma combinação de incompetência
administrativa e concorrência desleal com a decadência relativa dos meios
impressos por causa da internet.
O modelo brasileiro de mídia é altamente
concentrador, já que é escorado em relações de poder altamente concentradas.
Você vai entender melhor se olhar naquela esquina do Congresso onde se cruzam
os donos de terras, de cargos eletivos/públicos e dos meios de comunicação,
especialmente das concessões de rádio e TV.
No Rio de Janeiro, especificamente, Paulo
Henrique Amorim já descreveu
(aqui) em detalhes como as Organizações Globo usaram seu poder eletrônico
para detonar a concorrência:
O Globo de domingo era destaque na programação de
sábado da TV Globo, por exemplo. O JB foi uma das vítimas disso.
Os jornalistas, com certeza, vão se lembrar
das grandes batalhas travadas pelo JB. Contra o regime militar, por exemplo.
Ou, talvez a mais simbólica de todas, em 1982, nas eleições estaduais do Rio de
Janeiro, quando Leonel Brizola enfrentou Moreira Franco.
Foi o ano do escândalo da Proconsult, empresa
encarregada pelo TRE de totalizar os votos. Ano de pesquisas eleitorais
distorcidas. De manchetes em choque. Moreira Franco tinha o apoio das
Organizações Globo.
Brizola contou com os jornalistas da rádio Jornal do Brasil
e do JB para evitar a fraude.
No livro “Mídia: Crise política e poder no
Brasil”, de Venício A. de Lima, o episódio é descrito assim:
Leonel Brizola era, em 1964, o mais
controvertido dos políticos contra quem se voltaram os militares. Exilado,
voltou ao país com a anistia de 1979. Em 1982 candidatou-se ao governo do Rio
de Janeiro, um dos estados politicamente mais importantes do país.
A candidatura de Brizola não agradava ao
regime militar e muito menos à RGTV, que tinha outras preferências, conforme
revelou o ex-diretor da sua Divisão de Análise e Pesquisas, Homero Sanchez, em
famosa entrevista publicada em maio de 1983.
Sanchez, que à época da entrevista
já não pertencia mais à RGTV, demitido que foi em consequência da sua ação como
conselheiro informal de Brizola durante as eleições, revelou com detalhes o
papel que a RGTV desempenhou na tentativa frustrada de se fraudar a eleição no
Rio de Janeiro para impedir a vitória de Brizola.
Conforme a versão de Sanchez, Roberto Irineu
Marinho, filho de Roberto Marinho e um dos quatro homens fortes das OG, havia
assumido compromisso com o partido de sustentação do regime autoritário, cujo
candidato era Wellington Moreira Franco. Segundo Sanchez, ao assumir tais
compromissos, há indícios de que Roberto Irineu Marinho tenha se associado
implicitamente ao esquema fraudulento montado para impedir a eleição de
Brizola.
Esse esquema consistia em iniciar as apurações pelo interior, onde era
majoritário o partido do governo, criando a ilusão de uma iminente derrota do
político anistiado. Era parte central desse esquema a empresa encarregada de
processar a contagem dos votos — a Proconsult –, cujo principal programador era
um oficial da reserva do Exército.
A Proconsult havia desenvolvido um programa
capaz de subtrair votos de Brizola e adicionar votos para Moreira Franco.
Ao divulgar
apenas os resultados da apuração oficial, a RGTV, líder de audiência, seria
vital para o sucesso da fraude, pois emprestaria credibilidade aos falsos
resultados que iriam aos poucos sendo fabricados.
O que não estava nos planos dos organizadores
do esquema fraudulento, todavia, era o desenvolvimento de um serviço próprio de
apuração, a partir dos boletins emitidos pelo Tribunal Regional Eleitoral
(TRE). Este serviço foi organizado pelo jornal concorrente de O Globo, o Jornal
do Brasil, justamente com suas duas prestigiadas emissoras de rádio AM e FM —
representando interesses tanto comerciais como políticos em conflito com os das
OG.
Com isso, eram apresentados resultados parciais totalmente diversos dos
veiculados pela RGTV. Já alertado para a fraude, Leonel Brizola orientou seu
partido a desenvolver trabalho paralelo de apuração, utilizando-se de um
computador próprio. Essas providências contribuíram para a descoberta da trama,
denunciada depois por vários outros órgãos de imprensa (Veja, 1982b).
Ao mesmo tempo, constatada a possibilidade de
fraude nas eleições para governador de um dos estados politicamente mais
importantes do país, criava-se um clima de perplexidade na opinião pública,
pois o candidato Leonel Brizola havia sido votado maciçamente na capital, ao
contrário do que a RGTV mostrava.
Embora a entrevista citada de Homero Sanchez
seja muito rica em detalhes sobre o envolvimento da RGTV na tentativa de
fraude, vale destacar o seguinte trecho:
“O Brizola perguntou o que eu achava. Eu
disse: ‘Está parecendo fraude’. [Pergunta do Brizola]: ‘O que tu acha que devo
fazer?’ [Resposta]: ‘Bota a boca no mundo. Essa é a atitude que eu tomaria se
fosse você, como candidato. Bota a boca no mundo’. Brizola inclusive me
perguntou se devia falar com a TV Globo.
‘Nesse momento’ — eu disse para ele —
‘não te convém falar com a TV Globo porque lá agora toda a questão da apuração
está sob as ordens de Roberto Irineu e ele acredita que pode eleger o Moreira
Franco de qualquer maneira.
Eu não te aconselharia a fazer isso’. Então ele
procurou a TV Bandeirantes nesta mesma quarta-feira à noite.”
À época, o episódio mereceu a devida
repercussão na mídia. Editorial da Folha de S. Paulo, por exemplo, afirmava:
“O verdadeiro fiasco em que se envolveu a
Rede Globo de Televisão durante a fase inicial das apurações no Rio de Janeiro
torna ainda mais presentes as inquietações quanto ao papel da chamada mídia
eletrônica no Brasil [...]. Houve uma tentativa grave e inédita, posta a efeito
pela maior cadeia de TV do país, no sentido de turvar o resultado das apurações
e enfraquecer politicamente o candidato da oposição pedetista ao governo
fluminense” (Folha de S. Paulo, 1982).
Quatro anos depois, o jornalista Luiz Carlos
Cabral, que era um jovem editor de notícias da TV Globo no Rio de Janeiro
quando ocorrreram as eleições de 1982, veio a público e relatou o que sabia
acerca do esquema fraudulente. Ele disse:
“O papel da Globo no escândalo Proconsult foi
preparar a opinião pública para o que ia acontecer — o roubo dos votos de Brizola
para beneficiar a Moreira Franco. Não posso dizer de quem vieram as ordens
[para distorcer os resultados], embora todos nós soubéssemos por intruição… As
notícias da fraude estavam pipocando por toda a parte. Começamos a cobri-las.
Esta era a nossa [dos jornalistas] oportunidade. Mas nada foi ao ar. Ordens
superiores proibiram qualquer notícia sobre a fraude”. (Cabral, 1986).
A vitória de Brizola foi finalmente
reconhecida e ele tornou-se governador do estado do Rio de Janeiro em março de
1983, mas seus problemas com as OG estavam longe de acabar.
Durante seus quatro
anos de governo, teve que enfrentar a forte oposição de Roberto Marinho.
Brizola não foi capaz de assegurar a eleição de seu sucessor em 1986.
Moreira
Franco foi de novo o candidato da RGTV, agora apoiado pelo partido que havia
conquistado o controle do governo federal em março de 1985. Ele ganhou as
eleições, concorrendo contra, entre outros, Darcy Ribeiro, o candidato de
Brizola, que atribuiu o fracasso da candidatura à permanente campanha da RGTV
contra o seu governo.
Em entrevista concedida ao The New York
Times, Roberto Marinho admitiu:
“Em um determinado momento, me convenci de
que o sr. Leonel Brizola era um mau governador. Ele transformou a cidade
maravilhosa que é o Rio de Janeiro em uma cidade de mendigos e vendedores
ambulantes. Passei a considerar o sr. Brizola daninho e perigoso e lutei contra
ele. Realmente usei todas as possibilidades para derrotá-lo na eleição”.
(Riding, 1987).