Por Mauro
Malin em 25/03/2014 na edição 791
A Veja datada de 26/3 (edição
2.366) tenta uma reportagem especial sobre o golpe de 64. Não conseguiu produzir
nada relevante para a historiografia do período. Até aí, paciência. Mas também
apresenta falsificações.
Na linha do anticomunismo boboca, escreve que
Luís Carlos Prestes (nem souberam grafar corretamente o nome do homem), “(...)
apoiou o Estado Novo de Getúlio Vargas depois de ele ter deportado sua mulher,
Olga Benário, para os nazistas” (...).
PCB propunha
Constituinte
Quem consultar o Dicionário
Histórico-Biográfico da Política Brasileira, do CPDOC, que oferece acesso
gratuito pela internet, encontrará no verbete dedicado a Prestes, de autoria de
Alzira Abreu e Alan Carneiro, formulação diferente.
Prestes, em nome do PCB,
propunha a convocação de uma constituinte com a manutenção de Getúlio no poder
e em seguida eleição para presidente da República.
O raciocínio dos comunistas se provou
acertado. O marechal Dutra foi eleito presidente da República no mesmo dia em
que se elegeram deputados federais e senadores. Esses, reunidos em assembleia
unicameral, votaram a Constituição, promulgada em setembro de 1946.
Em maio de
1947, o registro eleitoral do PCB foi cassado. Em janeiro de 1948, os mandatos
de todos os seus parlamentares: Prestes (senador), 13 deputados federais,
deputados estaduais, vereadores e prefeitos (como o de Santo André, Armando
Mazzo).
O país ficou com uma democracia capenga.
Prestes e o PCB não apoiaram “o Estado Novo”,
é falsificação da história escrever isso.
Prestes era mau político. Em português claro,
um desastre. Mas não era burro.
O ano da
passeata
Alguns fatos também saíram lascados da
reportagem especial da Veja, onde se lê que
“Em 1968, quatro anos depois do golpe, a
indignação popular saiu às ruas do Rio depois do assassinato, pela Polícia
Militar, de um estudante de 18 anos. O protesto entraria para a história como a
Passeata dos Cem Mil e foi abençoado por dom Jaime Câmara, o mesmo cardeal que,
anos antes, louvara os militares vitoriosos.”
Tudo bem que a Veja, tendo começado a
ser publicada em setembro de 1968, não disponha em seus próprios arquivos de
material sobre os meses anteriores daquele ano. Mas bastaria ter consultado,
entre centenas de outras fontes possíveis, o notável Nosso Século (v.
5, 1960/80), da Abril Cultural, para aprender que:
1. O secundarista Edson Luís de Lima Souto
foi morto pela PM em 28 de março de 1968 e o protesto maior contra sua morte
consistiu numa passeata de 60 mil pessoas que saiu da Assembleia Legislativa do
então estado da Guanabara, no Centro do Rio de Janeiro, e terminou no cemitério
de São João Batista, em Botafogo (Nosso Século dá 50 mil pessoas; jornais
da época deram 60 mil).
O enterro foi no dia seguinte ao do assassinato,
portanto em 29 de março.
2. Entre esse episódio e a Passeata dos Cem
Mil, realizada em 26 de junho, houve centenas de outros atos políticos em todo o
país. Entre eles, alguns, importantes, de sindicatos operários. Dispenso-me de
enumerar os episódios.
A passeata
foi um sucesso. Veja a foto da primeira página do Globo
Agora, não sei de onde a Veja tirou
a informação de que o cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, dom Jaime de Barros
Câmara, “abençoou a passeata”.
Lembro-me muito bem, sim, da posição do
inesquecível bispo auxiliar dom José de Castro Pinto, falecido há poucos anos,
homem de convicções muito firmes que liberou religiosos para ir à manifestação
(na foto pequena do Globo veem-se freiras), modo de tentar protegê-la
de algum tipo de repressão violenta que, felizmente, naquele momento, não
ocorreu.
E do padre Vicente (Vincenzo) Adamo, apoiador do movimento estudantil,
que havia pertencido à Resistência italiana contra o invasor nazista durante a
Segunda Guerra.