Por Henrique Vieira
Sou cristão, pastor e militante
do PSOL. Não me sinto representado pela linha teológica de Silas Malafaia e não
tenho com ele nenhuma relação corporativista. Sinto-me coerente com o genuíno e
libertário Evangelho à medida que reconheço a dignidade humana, busco a
construção da justiça, coloco-me ao lado dos oprimidos e denuncio todas as
formas de opressão, exploração e violência.
Há uma capitulação perversa da
memória histórica de Jesus de Nazaré. Verifica-se um processo em que uma
mensagem centrada na radicalidade do amor se limita e se subtrai a um moralismo
individualista, hipócrita e bélico.
Jesus de Nazaré e o sentido militante de
sua vida constituem o menos importante para esta narrativa que apenas
instrumentaliza a intolerância, o fundamentalismo e a pretensa
institucionalização do Sagrado.
Inclusive, avalio que Jesus de Nazaré é
insuportável para esta moral comportamental, individualista, burocrata,
corporativista e institucional.
A espiritualidade de Jesus não
coube nos templos, foi rejeitada pelos líderes religiosos, vista como subversiva
pelo Império Romano. Jesus foi visto como herege e imoral, pois andou com os
destituídos de visibilidade e dignidade, arriscou sua “honra” convivendo com os
inaceitáveis para a religiosidade hegemônica.
Justamente por isso não preparam
para ele um trono ou um lugar no templo, mas uma cruz.
Defendo sistematicamente o Estado
laico, isto é, aquele que não reivindica para si uma determinada confissão
religiosa, mas resguarda a liberdade de crenças e da não crença. É justamente o
Estado Laico que garante a possibilidade da expressão religiosa.
Em alguns
países do mundo, cristãos são perseguido e cerceados na sua liberdade de culto,
justamente porque estes Estados são fundamentalistas religiosos, assumindo
outra matriz religiosa. Evidencia-se, portanto, o quanto o caráter laico do
Estado é requisito indispensável à democracia.
Não reivindico para mim a
bancada evangélica. Primeiro, por uma questão de princípio. Não estou no
parlamento para representar interesses institucionais de uma religião. Procuro
agir em conformidade com o Evangelho em todo lugar.
Todas as minhas ações como
indivíduo e cidadão estão perpassadas por minhas convicções e por minha fé.
Basta-me vocalizar e defender no parlamento os interesses da classe
trabalhadora, dos pobres, oprimidos, explorados, destituídos de direitos.
Agindo assim, sinto-me
refletindo os princípios da minha fé na minha ação política. Também rejeito a
bancada evangélica por estar associada às engrenagens perversas da sociedade
brasileira: relações promíscuas, gananciosas, eleitoreiras que reproduzem uma
política velha e corrompida.
No exercício da minha liberdade
e do meu esforço de compreensão do mundo, entendo que o capitalismo é
necessariamente perverso e luto pela construção de um socialismo libertário,
radicalmente democrático, que zele pelas liberdades e pela relação equilibrada
entre o ser humano e a natureza. Estou na história e preciso tomar posições e
decisões.
Não há ação apolítica no mundo. Pastores e padres perseguidos, presos
e torturados na ditadura, em nome de sua fé, estavam fazendo tanta política
quanto àqueles que estavam em suas igrejas alheios e indiferentes à ditadura ou
mesmo apoiando-a formalmente. Não há neutralidade!
A questão é agir com
transparência, ética, respeito à autonomia individual, à diversidade e às
liberdades democráticas. O caráter político da igreja não se dá apenas quando
se manifesta no viés da esquerda. Lembro-me das palavras de Francisco de Assis:
“pregue o Evangelho o tempo inteiro, se necessário, use palavras”. Prefiro
tentar humildemente expressar a natureza tão humana do Evangelho com ações que
tornem o mundo melhor do que me ancorar em discursos beligerantes que, em nome
do céu, se esquecem da terra, em nome da paz, produzem violência, em nome da
vida, produzem morte.
Quero acabar com esta dicotomia
entre ser cristão evangélico e ser de esquerda. Entre ser cristão evangélico e
não reafirmar a homofobia. Posso até ser minoria, mas não estou sozinho.
Também
não me refiro apenas aos que reivindicam a esquerda e o socialismo, tal como eu,
necessariamente. Refiro-me a muitos cristãos que não se sentem representados e
até mesmo se sentem envergonhados por conta destas igrejas-empresas-midiáticas
que brincam com o sofrimento do povo, sacralizam estruturas injustas, focam
seus discursos em uma moral que não toca nem acolhe os dramas mais profundos da
humanidade.
Igrejas silenciosas diante da
desigualdade social, do problema crônico da pobreza, da miséria e da fome, da
exploração do trabalho infantil, da violência contra mulheres e a população
LGBT, do extermínio sistemático da juventude pobre, das populações tradicionais
como indígenas e quilombolas, da devastação predatória dos recursos naturais.
Enquanto o mundo sangra com tamanhas injustiças, há uma Igreja que afirma
defender o Evangelho ao querer controlar a sexualidade das pessoas e, para
isso, se associar ao que há de mais corrupto e perverso. Creio e sei que
muitos, mesmo que discordem de meus posicionamentos socialistas, certamente não
vêem amor e beleza nesse discurso raivoso fundamentalista.
Estou no PSOL simplesmente
porque entendo que o partido é uma ferramenta político-partidária que alavanca
lutas anti-capitalistas e se coloca ao lado de uma agenda de direitos humanos
centrais para a construção de um país mais justo. O PSOL é uma ferramenta de
ação, um instrumento político importante e eu luto para que ele não se torne
uma legenda reformista, capitulada e ajustada à ordem.
Quem quiser participar
do PSOL, precisa entender seu programa e ter coesão e concordância com o mesmo.
Divergências internas são possíveis, pois refletem que o partido é democrático.
Contudo, se as divergências
estiverem em nível essencial e programático, inviabilizam a participação de uma
pessoa no partido. É sintoma de um partido sério, que zela por seu programa, que
não deseja crescer aleatoria e amorfamente, que busca identidade no debate de
mundo e de sociedade. Diante disso, com humildade, respeito e sensibilidade,
entendo que as referências programáticas do Jeferson impossibilitam sua
participação no partido.
Até porque entrar em um partido para se candidatar já
reflete uma concepção política equivocada. O PSOL é muito mais que parlamento,
parlamentares e eleições. O PSOL se faz primeiro e especialmente nas ruas, nas
lutas, nos movimentos, junto ao oprimidos. Não precisamos de carreiristas
institucionais, mas de militantes revolucionários.
É com respeito que expresso
minha posição. Fico imaginando o óbvio: Silas Malafaia não me vendo como
cristão e pastor. Sendo assim mesmo, penso e sinto: estou no caminho certo.
*Henrique Vieira, 27 anos, é professor, teólogo, militante
dos direitos humanos e o vereador do PSOL em Niterói/RJ