quarta-feira, 4 de junho de 2014

Por um PSOL Programático e um Estado Laico e Ecossocialista

Por Henrique Vieira

Sou cristão, pastor e militante do PSOL. Não me sinto representado pela linha teológica de Silas Malafaia e não tenho com ele nenhuma relação corporativista. Sinto-me coerente com o genuíno e libertário Evangelho à medida que reconheço a dignidade humana, busco a construção da justiça, coloco-me ao lado dos oprimidos e denuncio todas as formas de opressão, exploração e violência.

Há uma capitulação perversa da memória histórica de Jesus de Nazaré. Verifica-se um processo em que uma mensagem centrada na radicalidade do amor se limita e se subtrai a um moralismo individualista, hipócrita e bélico. 
Jesus de Nazaré e o sentido militante de sua vida constituem o menos importante para esta narrativa que apenas instrumentaliza a intolerância, o fundamentalismo e a pretensa institucionalização do Sagrado. 
Inclusive, avalio que Jesus de Nazaré é insuportável para esta moral comportamental, individualista, burocrata, corporativista e institucional.

A espiritualidade de Jesus não coube nos templos, foi rejeitada pelos líderes religiosos, vista como subversiva pelo Império Romano. Jesus foi visto como herege e imoral, pois andou com os destituídos de visibilidade e dignidade, arriscou sua “honra” convivendo com os inaceitáveis para a religiosidade hegemônica. 
Justamente por isso não preparam para ele um trono ou um lugar no templo, mas uma cruz.

Defendo sistematicamente o Estado laico, isto é, aquele que não reivindica para si uma determinada confissão religiosa, mas resguarda a liberdade de crenças e da não crença. É justamente o Estado Laico que garante a possibilidade da expressão religiosa. 
Em alguns países do mundo, cristãos são perseguido e cerceados na sua liberdade de culto, justamente porque estes Estados são fundamentalistas religiosos, assumindo outra matriz religiosa. Evidencia-se, portanto, o quanto o caráter laico do Estado é requisito indispensável à democracia.

Não reivindico para mim a bancada evangélica. Primeiro, por uma questão de princípio. Não estou no parlamento para representar interesses institucionais de uma religião. Procuro agir em conformidade com o Evangelho em todo lugar. 
Todas as minhas ações como indivíduo e cidadão estão perpassadas por minhas convicções e por minha fé. Basta-me vocalizar e defender no parlamento os interesses da classe trabalhadora, dos pobres, oprimidos, explorados, destituídos de direitos.

Agindo assim, sinto-me refletindo os princípios da minha fé na minha ação política. Também rejeito a bancada evangélica por estar associada às engrenagens perversas da sociedade brasileira: relações promíscuas, gananciosas, eleitoreiras que reproduzem uma política velha e corrompida.

No exercício da minha liberdade e do meu esforço de compreensão do mundo, entendo que o capitalismo é necessariamente perverso e luto pela construção de um socialismo libertário, radicalmente democrático, que zele pelas liberdades e pela relação equilibrada entre o ser humano e a natureza. Estou na história e preciso tomar posições e decisões. 
Não há ação apolítica no mundo. Pastores e padres perseguidos, presos e torturados na ditadura, em nome de sua fé, estavam fazendo tanta política quanto àqueles que estavam em suas igrejas alheios e indiferentes à ditadura ou mesmo apoiando-a formalmente. Não há neutralidade!

A questão é agir com transparência, ética, respeito à autonomia individual, à diversidade e às liberdades democráticas. O caráter político da igreja não se dá apenas quando se manifesta no viés da esquerda. Lembro-me das palavras de Francisco de Assis: “pregue o Evangelho o tempo inteiro, se necessário, use palavras”. Prefiro tentar humildemente expressar a natureza tão humana do Evangelho com ações que tornem o mundo melhor do que me ancorar em discursos beligerantes que, em nome do céu, se esquecem da terra, em nome da paz, produzem violência, em nome da vida, produzem morte.

Quero acabar com esta dicotomia entre ser cristão evangélico e ser de esquerda. Entre ser cristão evangélico e não reafirmar a homofobia. Posso até ser minoria, mas não estou sozinho. 
Também não me refiro apenas aos que reivindicam a esquerda e o socialismo, tal como eu, necessariamente. Refiro-me a muitos cristãos que não se sentem representados e até mesmo se sentem envergonhados por conta destas igrejas-empresas-midiáticas que brincam com o sofrimento do povo, sacralizam estruturas injustas, focam seus discursos em uma moral que não toca nem acolhe os dramas mais profundos da humanidade.

Igrejas silenciosas diante da desigualdade social, do problema crônico da pobreza, da miséria e da fome, da exploração do trabalho infantil, da violência contra mulheres e a população LGBT, do extermínio sistemático da juventude pobre, das populações tradicionais como indígenas e quilombolas, da devastação predatória dos recursos naturais. 
Enquanto o mundo sangra com tamanhas injustiças, há uma Igreja que afirma defender o Evangelho ao querer controlar a sexualidade das pessoas e, para isso, se associar ao que há de mais corrupto e perverso. Creio e sei que muitos, mesmo que discordem de meus posicionamentos socialistas, certamente não vêem amor e beleza nesse discurso raivoso fundamentalista.

Estou no PSOL simplesmente porque entendo que o partido é uma ferramenta político-partidária que alavanca lutas anti-capitalistas e se coloca ao lado de uma agenda de direitos humanos centrais para a construção de um país mais justo. O PSOL é uma ferramenta de ação, um instrumento político importante e eu luto para que ele não se torne uma legenda reformista, capitulada e ajustada à ordem. 
Quem quiser participar do PSOL, precisa entender seu programa e ter coesão e concordância com o mesmo. Divergências internas são possíveis, pois refletem que o partido é democrático.

Contudo, se as divergências estiverem em nível essencial e programático, inviabilizam a participação de uma pessoa no partido. É sintoma de um partido sério, que zela por seu programa, que não deseja crescer aleatoria e amorfamente, que busca identidade no debate de mundo e de sociedade. Diante disso, com humildade, respeito e sensibilidade, entendo que as referências programáticas do Jeferson impossibilitam sua participação no partido. 

Até porque entrar em um partido para se candidatar já reflete uma concepção política equivocada. O PSOL é muito mais que parlamento, parlamentares e eleições. O PSOL se faz primeiro e especialmente nas ruas, nas lutas, nos movimentos, junto ao oprimidos. Não precisamos de carreiristas institucionais, mas de militantes revolucionários.

É com respeito que expresso minha posição. Fico imaginando o óbvio: Silas Malafaia não me vendo como cristão e pastor. Sendo assim mesmo, penso e sinto: estou no caminho certo.


*Henrique Vieira, 27 anos, é professor, teólogo, militante dos direitos humanos e o vereador do PSOL em Niterói/RJ