Merval Pereira, O Globo
O caso da médica cubana Ramona Rodríguez, que
abandonou o programa Mais Médicos e está abrigada provisoriamente no gabinete
do deputado do DEM Ronaldo Caiado em Brasília, traz de volta ao debate público
questões básicas da democracia relacionadas com a contratação dos médicos
cubanos para o programa.
Não está em jogo a capacitação desses médicos
— criticada por setores médicos brasileiros — ou se o programa governista
significa a solução para os problemas da Saúde Pública brasileira, como a
propaganda oficial quer fazer crer.
Essas questões merecem ser discutidas, mas,
diante dos problemas éticos e de direitos humanos que surgiram com o sistema de
contratação dos cubanos, devem ficar em segundo plano, enquanto o Ministério
Público do Trabalho intervém para garantir os mínimos direitos a esses
estrangeiros — que aqui estão ainda sob a vigilância da ditadura cubana, o que
é inadmissível numa democracia.
Assim é que os médicos cubanos não podem sair
de férias, a não ser que vão para Cuba, não podem manter contato com
estrangeiros sem comunicar ao governo cubano, não podem desistir do programa e
continuar por aqui.
E, se depender do parecer do advogado-geral da União, Luís
Adams, não podem nem mesmo pedir asilo ao Brasil.
Essa atitude brasileira já produziu fatos
vergonhosos, não condizentes com o Estado democrático, como a entrega ao
governo cubano dos pugilistas cubanos Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara,
que haviam fugido da concentração durante os Jogos Pan-Americanos no Rio, em
2007, e queriam ficar no Brasil asilados.
Meses depois, desmentindo o governo
brasileiro, que dissera que os cubanos pediram para voltar ao seu país,
Erislandy Lara, bicampeão mundial amador da categoria até 69 quilos, chegou a
Hamburgo, na Alemanha, depois de ter fugido em uma lancha de Cuba para o
México.
Em 2009, Rigondeaux acabou fugindo para
Miami, nos Estados Unidos.
Como já escrevi aqui, o caso dos médicos
cubanos tem a mesma raiz ideológica. Cuba ganha mais com a exportação de
médicos do que com o turismo, isso porque o dinheiro do pagamento individual é
feito diretamente ao governo cubano, que repassa uma quantia ínfima aos
médicos.
O governo brasileiro não apenas aceita essa
mercantilização de pessoas como dá apoios suplementares: enquanto as famílias
de médicos de outras nacionalidades podem vir para o Brasil, o governo
brasileiro aceita que o governo cubano mantenha os parentes dos médicos
enviados ao Brasil como reféns na ilha dos Castro.
O contrato dos médicos cubanos, sabe-se
agora, é intermediado por uma tal de “Sociedade Mercantil Cubana
Comercializadora de Serviços Cubanos”, o que deveria ser investigado, pois não
se sabe para onde vai o dinheiro arrecadado.
Há desconfiança na oposição de que
parte desse dinheiro volta para os cofres petistas, o que seria uma maneira de
financiar um caixa dois para as eleições.
O Ministério Público do Trabalho, que não
tivera até o momento acesso aos contratos firmados pelo governo brasileiro e a
tal “Sociedade Mercantil”, o que é espantoso, a partir do depoimento da médica
cubana decidiu cobrar do governo que mude a relação de trabalho com os médicos
cubanos, obrigando a que seja igual à de outros médicos estrangeiros, que ficam
integralmente com os R$ 10 mil pagos pelo governo brasileiro.
Não é de espantar que a deserção de médicos
cubanos não seja maior, pois há uma série de constrangimentos legais e pessoais
que tornam difícil uma atitude mais radical.
O que importa é que o governo brasileiro está
usando mão de obra explorada por uma ditadura para fingir que está resolvendo o
problema de falta de médicos, enquanto nada está sendo feito para resolver o
problema de maneira definitiva.