SININHO
A
mídia vai criar um mito
Por
Ligia Martins de Almeida em 18/02/2014 na edição 786
Os jornais e revistas estão felizes.
Conseguiram
dar uma cara aos black blocs, culpados pela morte do cinegrafista Santiago
Andrade.
E, para alegria dos pauteiros sensacionalistas, a cara dos black
blocks é uma morena miúda, bonitinha, de cabelos curtos que, como se não bastasse,
ganhou dos colegas de confusão o apelido de Sininho.
Se a cara dos black blocs fosse a de um dos
mascarados, o apelo seria bem menor. A verdade é que, até agora, as imagens de
TV ou fotos de revistas e jornais não tinham dado destaque às mulheres entre os
mascarados.
Naquela multidão usando bonés e máscaras, a cara limpa de Sininho
faz a alegria dos fotógrafos.
Conhecida até outro dia apenas por seus seguidores
no Facebook, Elisa Quadros ganhou perfil no diário gaúcho Zero Hora,
matéria grande no Globo e, glória das glórias, virou capa de Veja
no domingo (edição 2361, de 19/2/2014).
Na matéria “Os segredos de Sininho”, Veja
diz:
“Três
personagens foram fundamentais para revelar a face mais sinistra dos black
blocs: Fábio Raposo, o Fox, que carregou o rojão que atingiu o cinegrafista;
Caio Silva de Souza, o Dik, que levou o artefato até perto da vítima; e Elisa
Quadros, a Sininho, militante ativista (a definição é dela) que surgiu do nada
para oferecer ‘assessoria jurídica’ aos dois acusados e não parou mais de
aparecer.”
Enquanto os dois presos são considerados “peões” do
movimento, Elisa é definida pela revista como “parte da elite que decide e dá
ordens e faz a ponte entre os black blocs e a parcela da classe política que
nutre simpatia pelo grupo.”
Outra história
Para justificar a definição de Elisa como uma das
chefes do movimento, Veja diz que ela é “articulada, gosta de mandar –
em passeatas, é vista apontando a direção a ser tomada pelos mascarados – e de
alardear amizade com quem julga poderoso, como o deputado Marcelo Freixo, do
PSOL”.
Mais objetivo, o Zero Hora, de Porto Alegre,
fez um longo perfil da moça, sem, no entanto, considerá-la parte da chefia dos
black blocs:
“Personagem
nos protestos violentos ocorridos no Rio de Janeiro (um deles resultou na morte
do cinegrafista da Band, Santiago Andrade,
atingido por um rojão lançado por um black bloc), a ativista Elisa Quadros
Pinto Sanzi, a Sininho, 28 anos, é de uma família de militantes.
A jovem
porto-alegrense, que deixou o Estado com a mãe, aos 11 anos, tem uma história
de classe média: frequentou boas escolas, fez política estudantil e mora
em Copacabana, um dos metros quadrados mais caros do país. Aproximou-se de
ativistas da Frente Independente Popular e da Organização Anarquista Terra e
Liberdade (grupos de orientação anarquista, ultrarradicais, que defendem o
emprego de métodos violentos de luta).
Tornou-se voz ativa em assembleias
populares, realizadas em quatro bairros do Rio. Com a explosão dos protestos,
em junho, assumiu a liderança não oficial em manifestações. De rosto limpo, mas
sempre próxima de radicais mascarados, vocifera contra a imprensa e os
policiais.”
Uma das entrevistadas pelo Zero Hora diz que
Elisa se destacava porque era articulada, mas só ganhou importância durante o
Ocupa Câmara (em agosto, no Rio de Janeiro).
Diz a advogada (que o jornal não
identificou): “Ela tem uma condição social boa, que permite ficar sem emprego
fixo. Com tempo livre, acabou aparecendo mais”.
Nessas matérias sobre Elisa Quadros, há uma
constante de mau jornalismo: fala-se muito sobre ela, mas ninguém abre espaço
para a moça. Tudo o que se sabe sobre ela é o que os outros disseram ou o que
ela postou no blog.
Talvez uma entrevista bem feita – ela alega que a Rede
Globo cortou a entrevista dela e distorceu suas declarações – sirva para
destruir o mito que a mídia está criando.
O futuro da nova celebridade depende das próximas
ações dos black blocs. Porque a imprensa, todos sabemos, vai esquecer dela
assim que surgir outra musa para ocupar esse espaço. De preferência uma musa
bonita e sensual e que não assuste ninguém.
A verdade é que se a pessoa morta pelos black boca
não fosse jornalista e se o líder conhecido não fosse uma mocinha bonitinha, a
história seria bem diferente, sem direito a perfil nos jornais e, muito menos,
capa de Veja.
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Ligia
Martins de Almeida é jornalista
