terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Corrupção de chumbo | Memórias da “pureza” da ditadura

Aos cidadãos que defendem a ditadura com a esdrúxula alegação de que nesta época sombria não havia corrupção, temos abaixo os casos que foram levantados na época, mesmo com a imprensa mordaçada


Por Mouzar Benedito - Não tenho boas fontes, tenho memória razoável e fiz uma pequena “pesquisa” sobre fatos que gostaria os que falam que durante a ditadura não havia corrupção estudassem e nos revelassem a verdade.



1. O custo das rodovias construídas no período não eram divulgados, mas algumas vezes vi notícias que vazavam dos Tribunais de Contas e, segundo elas, o custo era sempre multiplicado por dez. Uma rodovia de um milhão, por exemplo, custava dez milhões aos cofres públicos. A ponte Rio-Niterói, inaugurada em março de 1974, teve um superfaturamento “um pouquinho” maior: custou onze vezes o custo real. Nenhum jornal fez matéria sobre isso. Só o Pasquim ousou dar uma cutucada. Publicou uma foto da ponte, com uma legenda mais ou menos assim: “Ilusão de ótica: onde vocês veem uma ponte, são onze pontes”.

 2. Na pequena cidade de Floresta, Pernambuco, a agência do Banco do Brasil fazia empréstimos a pessoas influentes do estado, supostamente para plantar mandioca. Mas elas nunca pagavam: alegavam que a seca destruíra os plantios que nunca foram feitos e os prejuízos eram cobertos pelo seguro agrícola. Em 1981, quando se descobriu a mutreta, calculava-se que o valor total dos “empréstimos” chegara a 700 milhões de dólares. O processo de desvio de dinheiro não foi concluído e, claro, nenhum dinheiro foi devolvido.

 3. Em Pernambuco mesmo, no ano seguinte, grandes pecuaristas pediam financiamento para comprar farelo para alimentar o gado e aplicavam o dinheiro na caderneta de poupança. Essa história ficou conhecida como “fraude do farelo”.

 4. Entre 1977 e 1980, o governo abriu uma linha de crédito para financiamento de exportações brasileiras para a Polônia, e o governo polonês ofereceu como garantia títulos podres, que ficaram conhecidos como “polonetas”. Alguns bilhões de dólares (que na época valiam muito mais do que hoje) foram para o ralo.

 5. Escândalo da Capemi. A Caixa de Pecúlios, Pensões e Montepio, fundada e dirigida por militares, tinha um plano privado de aposentadorias que arrecadou muito dinheiro de civis também. Alegando que precisava diversificar suas ações, a Capemi foi contratada em 1980 para desmatar uma área em que seria instalada a usina de Tucuruí. Não desmatou e o dinheiro sumiu. Quem aplicou nessa aposentadoria privada, dançou. E não era pouca gente: tinha dois milhões de associados aos planos de previdência privada.

 6. Em 1981, havia muitas denúncias de corrupção e chegou a ser criada uma CPI para apurar denúncias como o chamado “escândalo Lutfalla”, de tráfico de influência de Paulo Maluf para a concessão de altos empréstimos do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, atual BNDES) a empresas da família Lutfalla, à qual pertence Sylvia Maluf, esposa do ex-governador, em estado pré-falimentar. Entre as denúncias a serem apuradas, havia também muitos empréstimos suspeitos da Caixa Econômica Federal e corrupção nos Correios. Mas o partido governista, o PDS (Partido Democrático Social), tinha maioria e conseguiu abortar a CPI.

 7. Escândalo Delfin. O Grupo Delfin, de Ronald Levinshohn, era a maior empresa privada de crédito imobiliário quando, em 1982, uma reportagem do jornalista José Carlos de Assis mostrou que ele tinha uma dívida de 60 bilhões de cruzeiros com o BNH… e pagou dando dois terrenos avaliados em 9,2 bilhões.

 8. Em 1978, o governo publicou uma foto da frota de navios comprados, se me lembro bem, para a Fronape – Frota Nacional de Petroleiros. Eram uns trinta navios. Mas um jornalista, usando uma lupa, viu que todos os navios tinham o mesmo nome. Ou seja, era um navio só. Era uma imagem montada. Quanto dinheiro terá sido embolsado nessa história?

 9. Mordomias, denunciadas pelo jornal O Estado de S. Paulo em 1976, durante o governo Geisel: os altos salários e as vantagens indevidas chamadas “mordomias” dadas a altos funcionários do governo. Até hoje a palavra mordomia tem sentido pejorativo.

 10. Tem uma história estranha que não entendi direito, de dois cheques do Banco Econômico, no valor de US$ 53 milhões, em 1976, que não foram honrados e o ministro Ângelo Calmon de Sá, do governo Geisel, com voz no Conselho Monetário Nacional, mandou a conta para o Tesouro, que pagou tudo.

 11. No final de 1977 ou início de 1978, faltavam alguns meses para vencer o contrato de concessão da Light – do Rio de Janeiro – para um grupo canadense. A empresa, então, seria entregue de graça para o Brasil, dali uns meses. Mas o governo não esperou: comprou a dita cuja pelo valor de mercado, então, quem recebeu uma baita grana de graça foi o grupo canadense. Claro que muita comissão rolou por baixo dos panos.

 12. Em 1974, a inflação foi de cerca de 35%, mas o ministro Delfim Netto decretou que tinha sido de 14%, e todos os salários, por exemplo, foram reajustados por esse índice, baixando violentamente a renda dos trabalhadores.

 13. Segundo a revista Times, numa edição de 1981, empresas europeias deram 140 milhões de dólares em propinas e suborno para autoridades brasileiras, para pegarem uma fatia da construção da usina de Itaipu. Rolou tanta grana na construção que muita gente defendia que o Brasil não pagasse a dívida contraída para ela, dizendo que os que emprestaram sabiam que o dinheiro era desviado.

 14. Uma coisa que considero escandalosa era a sujeição ao FMI – Fundo Monetário Internacional. Metodicamente vinha aqui uma mulher desse vampiro internacional dar ordens. Chamava-se Ana Maria Jul. Mandava demitir gente, cortar dinheiro de áreas sociais, mandava e desmandava. Era uma coisa tão horrorosa que escandalizava gente de quase tudo quanto era tendência política. Tanto que até Tancredo Neves, quando se candidatou a presidente, falou sobre o FMI: “Não vou pagar a dívida com a fome do povo brasileiro”.

Enfim, é muita coisa para ficar lembrando, puxando pela memória, tentando pesquisar. Quem quiser que continue a pesquisa. Sugiro alguns assuntos: Empréstimo de 30 bilhões de cruzeiros ao Grupo Coroa, para compra uma empresa falida.

- A construção da primeira usina atômica de Angra dos Reis. Quanto custou?

- A construção de dezenas de estádios de futebol, todos com apelidos terminados em “ão”: Castelão (em Fortaleza), Vivaldão (em Manaus) e muitos outros. Quanto custaram aos cofres públicos?

- A construção dos aeroportos do Galeão e de Cumbica.

- As dívidas dos usineiros do Nordeste, que nunca foram pagas (continuam não sendo, ao que parece).

O dinheiro – muito dinheiro! – para socorrer vítimas das secas, no Nordeste, ia sempre parar nas mãos de “coronéis”, enquanto o povo morria à míngua. 
Aliás, nessa história lembro dos poços artesianos construídos depois da ditadura, para abastecer cidades do Nordeste. Em Serra Talhada, Pernambuco, devia ter um deles. Mas quando foram ver, o tal poço tinha sido feito na fazenda do deputado Inocêncio de Oliveira, virou propriedade dele.