Aos cidadãos que defendem a ditadura com a esdrúxula alegação
de que nesta época sombria não havia corrupção, temos abaixo os casos que foram
levantados na época, mesmo com a imprensa mordaçada
Por Mouzar Benedito - Não tenho boas fontes, tenho memória
razoável e fiz uma pequena “pesquisa” sobre fatos que gostaria os que falam que
durante a ditadura não havia corrupção estudassem e nos revelassem a verdade.
1. O custo das rodovias construídas no período não eram
divulgados, mas algumas vezes vi notícias que vazavam dos Tribunais de Contas
e, segundo elas, o custo era sempre multiplicado por dez. Uma rodovia de um
milhão, por exemplo, custava dez milhões aos cofres públicos. A ponte
Rio-Niterói, inaugurada em março de 1974, teve um superfaturamento “um
pouquinho” maior: custou onze vezes o custo real. Nenhum jornal fez matéria
sobre isso. Só o Pasquim ousou dar uma cutucada. Publicou uma foto da
ponte, com uma legenda mais ou menos assim: “Ilusão de ótica: onde vocês veem
uma ponte, são onze pontes”.
2. Na pequena cidade de Floresta, Pernambuco, a agência
do Banco do Brasil fazia empréstimos a pessoas influentes do estado,
supostamente para plantar mandioca. Mas elas nunca pagavam: alegavam que a seca
destruíra os plantios que nunca foram feitos e os prejuízos eram cobertos pelo
seguro agrícola. Em 1981, quando se descobriu a mutreta, calculava-se que o
valor total dos “empréstimos” chegara a 700 milhões de dólares. O processo de
desvio de dinheiro não foi concluído e, claro, nenhum dinheiro foi devolvido.
3. Em Pernambuco mesmo, no ano seguinte, grandes
pecuaristas pediam financiamento para comprar farelo para alimentar o gado e
aplicavam o dinheiro na caderneta de poupança. Essa história ficou conhecida
como “fraude do farelo”.
4. Entre 1977 e 1980, o governo abriu uma linha de
crédito para financiamento de exportações brasileiras para a Polônia, e o
governo polonês ofereceu como garantia títulos podres, que ficaram conhecidos
como “polonetas”. Alguns bilhões de dólares (que na época valiam muito mais do
que hoje) foram para o ralo.
5. Escândalo da Capemi. A Caixa de Pecúlios, Pensões e
Montepio, fundada e dirigida por militares, tinha um plano privado de aposentadorias
que arrecadou muito dinheiro de civis também. Alegando que precisava
diversificar suas ações, a Capemi foi contratada em 1980 para desmatar uma área
em que seria instalada a usina de Tucuruí. Não desmatou e o dinheiro sumiu.
Quem aplicou nessa aposentadoria privada, dançou. E não era pouca gente: tinha
dois milhões de associados aos planos de previdência privada.
6. Em 1981, havia muitas denúncias de corrupção e
chegou a ser criada uma CPI para apurar denúncias como o chamado “escândalo
Lutfalla”, de tráfico de influência de Paulo Maluf para a concessão de altos
empréstimos do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, atual BNDES)
a empresas da família Lutfalla, à qual pertence Sylvia Maluf, esposa do
ex-governador, em estado pré-falimentar. Entre as denúncias a serem apuradas,
havia também muitos empréstimos suspeitos da Caixa Econômica Federal e
corrupção nos Correios. Mas o partido governista, o PDS (Partido Democrático
Social), tinha maioria e conseguiu abortar a CPI.
7. Escândalo Delfin. O Grupo Delfin, de Ronald
Levinshohn, era a maior empresa privada de crédito imobiliário quando, em 1982,
uma reportagem do jornalista José Carlos de Assis mostrou que ele tinha uma
dívida de 60 bilhões de cruzeiros com o BNH… e pagou dando dois terrenos
avaliados em 9,2 bilhões.
8. Em 1978, o governo publicou uma foto da frota de
navios comprados, se me lembro bem, para a Fronape – Frota Nacional de
Petroleiros. Eram uns trinta navios. Mas um jornalista, usando uma lupa, viu
que todos os navios tinham o mesmo nome. Ou seja, era um navio só. Era uma
imagem montada. Quanto dinheiro terá sido embolsado nessa história?
9. Mordomias, denunciadas pelo jornal O Estado de
S. Paulo em 1976, durante o governo Geisel: os altos salários e as
vantagens indevidas chamadas “mordomias” dadas a altos funcionários do governo.
Até hoje a palavra mordomia tem sentido pejorativo.
10. Tem uma história estranha que não entendi direito,
de dois cheques do Banco Econômico, no valor de US$ 53 milhões, em 1976, que
não foram honrados e o ministro Ângelo Calmon de Sá, do governo Geisel, com voz
no Conselho Monetário Nacional, mandou a conta para o Tesouro, que pagou tudo.
11. No final de 1977 ou início de 1978, faltavam alguns
meses para vencer o contrato de concessão da Light – do Rio de Janeiro – para
um grupo canadense. A empresa, então, seria entregue de graça para o Brasil,
dali uns meses. Mas o governo não esperou: comprou a dita cuja pelo valor de
mercado, então, quem recebeu uma baita grana de graça foi o grupo canadense.
Claro que muita comissão rolou por baixo dos panos.
12. Em 1974, a inflação foi de cerca de 35%, mas o
ministro Delfim Netto decretou que tinha sido de 14%, e todos os salários, por
exemplo, foram reajustados por esse índice, baixando violentamente a renda dos
trabalhadores.
13. Segundo a revista Times, numa edição de 1981,
empresas europeias deram 140 milhões de dólares em propinas e suborno para
autoridades brasileiras, para pegarem uma fatia da construção da usina de
Itaipu. Rolou tanta grana na construção que muita gente defendia que o Brasil
não pagasse a dívida contraída para ela, dizendo que os que emprestaram sabiam
que o dinheiro era desviado.
14. Uma coisa que considero escandalosa era a sujeição
ao FMI – Fundo Monetário Internacional. Metodicamente vinha aqui uma mulher
desse vampiro internacional dar ordens. Chamava-se Ana Maria Jul. Mandava
demitir gente, cortar dinheiro de áreas sociais, mandava e desmandava. Era uma
coisa tão horrorosa que escandalizava gente de quase tudo quanto era tendência
política. Tanto que até Tancredo Neves, quando se candidatou a presidente,
falou sobre o FMI: “Não vou pagar a dívida com a fome do povo brasileiro”.
Enfim, é muita coisa para ficar lembrando, puxando pela
memória, tentando pesquisar. Quem quiser que continue a pesquisa. Sugiro alguns
assuntos: Empréstimo de 30 bilhões de cruzeiros ao Grupo Coroa, para
compra uma empresa falida.
- A construção da primeira usina atômica de Angra dos Reis.
Quanto custou?
- A construção de dezenas de estádios de futebol, todos com
apelidos terminados em “ão”: Castelão (em Fortaleza), Vivaldão (em Manaus) e
muitos outros. Quanto custaram aos cofres públicos?
- A construção dos aeroportos do Galeão e de Cumbica.
- As dívidas dos usineiros do Nordeste, que nunca foram pagas
(continuam não sendo, ao que parece).
O dinheiro – muito dinheiro! – para socorrer vítimas das
secas, no Nordeste, ia sempre parar nas mãos de “coronéis”, enquanto o povo
morria à míngua.
Aliás, nessa história lembro dos poços artesianos construídos
depois da ditadura, para abastecer cidades do Nordeste. Em Serra Talhada,
Pernambuco, devia ter um deles. Mas quando foram ver, o tal poço tinha sido
feito na fazenda do deputado Inocêncio de Oliveira, virou propriedade dele.