El País - Livro conta detalhes da fuga e da prisão do
ex-diretor do Banco do Brasil. Pizzolato tentou escapar da condenação pelo
mensalão pleiteando julgamento na Itália
Henrique Pizzolato estava fadado a ter o mesmo destino de
Kátia Rabello, Cristiano Paz e Jacinto Lamas: entrar para a história como
coadjuvante entre os condenados por participar do esquema do mensalão. Mas o
ex-diretor de marketing do Banco do Brasil não estava disposto a aceitar a pena
de 12 anos e sete meses de prisão que lhe foi imposta pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) no maior julgamento de que se tem notícia no país, e viraria
protagonista do caso como o único dos 25 condenados a tentar fugir da polícia.
Os cinematográficos detalhes dessa fuga (e dos outros planos do mensaleiro para escapar) estão em Pizzolato
- Não existe plano infalível (Leya), escritopela jornalista Fernanda Odilla
O livro em que se transformou a vida de Pizzolato conta como
o funcionário de carreira que galgou postos no Banco do Brasil por meio do
ativismo sindical tomou a identidade do falecido irmão Celso para, com
documentos forjados, deixar o país rumo à Itália — com escalas na Argentina e
na Espanha — antes que o STF pudesse expedir sua ordem de prisão.
Determinado a escapar de qualquer forma do constrangimento
que ele e Andrea Haas, a mulher que lhe acompanha desde os tempos de faculdade,
teriam de passar durante os anos de cadeia, o militante político que chegou a
se candidatar a prefeito de Toledo e até a governador em Santa Catarina pelo
PT, no fim dos anos 1980, estava disposto a tudo, inclusive forjar a própria
morte.
Concebido pelo melhor amigo e grande defensor de Pizzolato, o
também funcionário do Banco do Brasil Alexandre Cesar Costa Teixeira, mais
conhecido como Terremoto, o plano de fingir que o condenado pelo mensalão havia
morrido chegou a ser posto em prática, com a confecção de um testamento que
estabelecia, entre outras coisas, que o corpo do falecido não deveria ser
velado, nem sua morte divulgada, “pois [o autor] não deseja que pessoas fiquem
tristes e enlutadas”.
A ideia, que seria classificada como louca pelo próprio
Terremoto anos depois, não vingou, assim como outras sugestões de amigos de Pizzolato,
entre elas pedir asilo a países vizinhos alinhados com o governo brasileiro,
como Venezuela e Bolívia. O jeito seria fugir do Brasil, numa estratégia que
começou a ser arquitetada seis anos antes, em 2007, quando o STF aceitou a
denúncia do Ministério Público sobre o mensalão.
Acusado de desviar dinheiro do Fundo Visanet para a agência
DNA, do empresário Marcos Valério, e sem conseguir explicar à polícia e aos
parlamentares de duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) o recebimento
de 326.660,67 reais em sua cobertura em Copacabana, Pizzolato começou a expedir
documentos em nome do irmão Celso, falecido em um acidente de carro em 1978,
aos 24 anos.
O ‘ressuscitado’ Celso chegou a votar nas eleições de 2008, em um
dos testes de Henrique para a identidade com a qual conseguiria, anos depois,
deixar o país pela Argentina, com a ajuda de Terremoto, que o conduziu de carro
até a fronteira.
Pizzolato deu início à fuga no dia 11 de setembro de 2013, e
seria preso pelos carabinieri em Maranello, na Itália, quase cinco meses
depois, em 5 de fevereiro de 2014, na casa de um sobrinho que trabalha para a
Ferrari, após uma série de desencontros entre as forças de segurança brasileira
e italiana — provavelmente motivados pela negativa do Estado brasileiro de extraditar
o terrorista ou militante, a depender do matiz ideológico, Cesare Battisti, em
2010.
Segundo a autora do livro, o caso Pizzolato acabou resolvido nas 24 horas seguintes
a uma reunião entre as polícias dos dois países, na qual todos enfim perceberam
que o tal Celso Pizzolato, que já vinha sendo monitorado desde que se instalara
na pacata Porto Venere com a mulher e um chamativo Fiat Punto vermelho
emplacado na Espanha, era na verdade o fugitivo procurado pela Interpol.
Para contar essa história, escrita de forma leve e de fácil
leitura, Fernanda Odilla recupera a vida do fugitivo desde a infância na
pequena Concórdia, em Santa Catarina, onde seu avô Vittorio Pizzolato, um
ex-combatente italiano da Primeira Guerra Mundial ferido em combate e
condecorado, se instalou na década de 1930 em busca de trabalho.
Sem pretender transformar o personagem do livro “em herói ou
vilão”, a autora diz que tentou ser justa com o ex-diretor do Banco do Brasil,
que hoje, após ver o processo de extradição solicitado pelo Brasil ser negado
pela Justiça italiana, desfruta de relativa liberdade, apesar de ter somado
alguns crimes desde sua condenação pelo mensalão.
Processado na Itália por falsidade ideológica e investigado
no Brasil, junto com a mulher, por remessa ilegal de divisas para o exterior e
lavagem de dinheiro, o homem mais procurado do verão brasileiro de 2013/2014
seguirá livre enquanto e lentidão da Justiça permitir. Até uma nova condenação,
sua única restrição é fazer justamente o que pretendia quando fugiu do Brasil
em busca de um novo julgamento: Pizzolato não pode deixar o território
italiano.