Corrupção, recessão e ameaça de racionamento compõem o clima
contra a presidenta. Após a renúncia de Collor, nenhum presidente escapou da
pressão para deixar Governo, Petrobras e falta de água roubam popularidade de Dilma e Alckmin
O primeiro presidente eleito pela população brasileira após
20 anos de ditadura militar não terminou o próprio Governo. Foi em 1992, com o
processo de impedimento do hoje senador Fernando Collor de Melo, que o brasileiro se familiarizou com o dispositivo do impeachment,
que, 23 anos depois, volta a assombrar a política brasileira em meio ao maior escândalo de corrupção da história do país, à expectativa de recessão econômica e à ameaça de
racionamento de água e de energia. E isso não é exclusividade de Dilma
Rousseff.
Desde a queda de Collor, os brasileiros se acostumaram a clamar pela
retirada antecipada de cada presidente eleito.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se acostumou aos gritos de "Fora
FHC" durante o segundo mandato (1999-2002), quando o país entrou em crise
em meio à desvalorização do real, levando a protestos como a "Marcha dos
100 mil", que cobrava sua saída. Seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva,
também esteve ameaçado de cair no fim do primeiro mandato, pelo escândalo do mensalão,
e, segundo o que registra a crônica política, isso só não ocorreu porque seus
opositores apostaram equivocadamente que o desgaste do caso dispensava o impeachment,
pois seria o bastante para impedir a reeleição de Lula.
A insistência, eleição após eleição, de gritar "impeachment" tem
a ver com a boa lembrança que o brasileiro tem do processo que levou à renúncia
de Fernando Collor em 1992, arrisca o cientista político Leonardo Barreto,
doutor pela Universidade de Brasília. A queda do presidente criou as condições
para a implementação do Plano Real, que estabilizou a economia brasileira após
anos de turbulência. A renúncia de Collor também deixou a impressão de
protagonismo da população, que, já enervada pelo confisco das poupanças (entre
outras medidas de ajuste) para frear a inflação, foi às ruas para protestar
contra um presidente envolto em suspeitas de corrupção desde sua campanha.
"Fora Dilma"
Não é de se espantar, portanto, que, em meio ao novo clamor
de impeachment, surjam boatos de confisco da poupança dos correntistas da Caixa
Econômica Federal, desmentidos nesta sexta-feira pelo ministro da Fazenda,
Joaquim Levy. "Tais informações são totalmente desprovidas de fundamento,
não se conformando com a política econômica de transparência e a valorização do
aumento da taxa de poupança de nossa sociedade, promovida pelo governo, através
do Ministério da Fazenda", informou o Ministério da Fazenda em nota.
A gritaria contra a presidenta Dilma Rousseff soa isolada em ruas e redes sociais desde o dia de sua reeleição, em 26 de
outubro do ano passado, mas entrou na pauta política do país com o surgimento
das primeiras ramificações políticas da Operação Lava Jato, principalmente
depois da denúncia de que o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, teria recebido 200 milhões de dólares em
propina por meio de contratos da Petrobras. Foi nesse contexto que o jurista
Ives Gandra Martins redigiu um parecer para dizer que já existe base jurídica
para um pedido de impedimento da presidenta.
O parecer de Gandra, que aponta a “improbidade por culpa” da
presidenta no caso Petrobras, não repercutiu apenas por causa da reputação de
seu autor. O jurista elaborou sua avaliação sobre o caso a pedido de José de
Oliveira Costa, que vem a ser membro do conselho do Instituto do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, a quem atende em causas judiciais. Confrontado com o
caso, FHC apressou-se em dizer, em seu perfil no Facebook, que “não há ameaças
golpistas, a não ser na imaginação de partidários do governo que sentindo o
descalabro procuram justificativas jogando a responsabilidade em ombros
alheios”.
Os opositores do Governo resistem em defender abertamente o impeachment neste
momento, mas, apostando no desgaste da gestão Dilma, não deixam o assunto sair
do foco, e alguns deles, como o senador Ronaldo Caiado (DEM), ensaiam ir à
passeata conta a presidenta marcada para 15 de março. O movimento, que conta
com adesões em 15 Estados, ganhou força depois que pesquisa Datafolha mostrou uma brusca queda de popularidade da presidenta Dilma Rousseff.
Nesta semana, após a divulgação da pesquisa, a consultoria política Arko Advice
elevou de 15% para 30% a probabilidade de um pedido de impeachment prosperar
— para o Eurasia Group, “a possibilidade de impeachment segue baixa (20%), mas
se tornou um risco real a se monitorar”.
Pressão
Segundo o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima, “a
palavra impeachment está escrita na nossa Constituição e, portanto, por ser um
tema constitucional, não tem de causar arrepio em ninguém”. O senador tucano
acrescentou, em plenário, que “se chegar o instante em que a Constituição tenha
de ser cumprida, ela será cumprida”. Eleito por um partido da base do Governo,
o senador Cristovam Buarque (PDT) engrossou o coro: “A palavra impeachment não
deve causar arrepio porque está na Constituição. O que causa arrepio é estar na
boca do povo.”
Do outro lado, governistas como o senador Lindbergh Farias
(PT), que liderou os protestos dos caras-pintadas durante o processo de
impeachment de Collor, reagem contra o que chamam de “golpismo”. “Não temos
problema de falar em impeachment, a não ser quando serve para patrocinar um
golpe”, disse em plenário a senadora Gleisi Hoffmann, admitindo, contudo, que o
Governo precisa melhorar a comunicação sobre seus feitos para afastar o clamor
ainda localizado de derrubada da presidenta. E o antídoto para os riscos que um
processo político contra Dilma pode de fato estar numa “batalha de comunicação”, convocada pela própria presidenta na primeira reunião
ministerial de seu segundo mandato — e que deve levá-la à televisão após o
carnaval para defender seu Governo.
O clamor pelo impeachment de Dilma tem elementos
parecidos ao processo que levou à renúncia de Collor em 1992, como a quebra de
confiança sobre a capacidade do Governo de sanear os problemas econômicos do
país e uma tensão entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional,
simbolizada pela eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara. “Mas Dilma tem uma coisa que
Collor não tinha: apoio popular”, comenta o cientista político Leonardo
Barreto.
Barreto lembra que o consenso social pela queda de Collor
contribuiu para que a maioria do então presidente da República no Congresso se
virasse contra ele e aceitasse o pedido de impeachment. “Agora, Dilma, que
acabou de ser reeleita com 54 milhões de votos, tem o apoio de alguns grupos
sociais. O que leva a questionar se os líderes do Congresso topariam dar início
a um processo como esse, muito desgastante, que poderia levar as pessoas de
volta aos gramados da Esplanada dos Ministérios para protestar”, diz o
cientista político, lembrando dos protestos de junho de 2013.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, por quem o pedido de
impeachment terá de passar se ocorrer até 2016, tem dito que "não há
espaço" para discutir o assunto. "Não concordo com esse tipo de
discussão e não terá o meu apoiamento", disse o deputado que, eleito a
partir de uma plataforma de independência, vem impondo sucessivas derrotas ao
Governo no Congresso Nacional.