Por Alberto Dines em 16/02/2015 na edição 837 – Observatório da
Imprensa | Bastaram duas semanas de atuação para que o novo presidente da
Câmara dos Deputados exibisse o seu arsenal de atributos como caudilho,
oligarca e cacique
Junto, mostrou como funciona uma blitzkrieg política
em ambientes dominados pela inércia. Exemplo perfeito das virtudes do
voluntarismo onde campeia a apatia. A supremacia da onipotência sobre a
impotência, do mandonismo escancarado sobre desmandos sussurrados.
Führer típico, determinado, ídolo dos medíocres, aliado
predileto dos pusilânimes. No mostruário de lideranças fornecido pela Revolução
Francesa, situa-se entre Georges Danton, o demagogo audacioso e Joseph Fouché,
o conspirador-manipulador, eterno sobrevivente, sacerdote capaz de fingir-se
ateu para ganhar mais poder. Comparado com antigos parceiros como Collor e
Garotinho, é um profissional padrão “intocável”, tal como Daniel Dantas e
outros ex-associados.
Eduardo Cunha é, neste exato momento, o político mais
poderoso do país. Muito mais eficaz do que o partido que elegeu e reelegeu os
dois últimos presidentes, mais safo e esperto do que o presidente honorário da
sua agremiação e vice-presidente da República – com uma só cartada converteu
Michel Temer em volume-morto e a presidente reeleita, a durona Dilma Rousseff,
em figura decorativa.
Mão na boca
Quando operava na esfera estadual metia-se em constantes
trapalhadas, chegou a sofrer um atentado e foi acusado de fazer negócios com
famoso narcotraficante. Carioca que joga pesado, não brinca em serviço, foi
quem descobriu um erro na documentação eleitoral do animador Sílvio Santos e
assim tirou-o da corrida presidencial.
Ao ingressar na esfera federal (2003), percebeu o alcance dos
novos holofotes, mudou o estilo, guardou a metralhadora, passou a servir-se de
fuzis de precisão – não errou um tiro.
Em apenas 12 anos, foi alçado ao Olimpo.
O ex-presidente Lula não ousa desafiá-lo: recomendou publicamente à sucessora
uma reconciliação
Forte candidato a converter-se no primeiro déspota
parlamentar, símbolo das deformadas democracias representativas do século 21
que fundiram o corporativismo de Mussolini com um bolchevismo de direita,
messiânico. Preside a Casa do Povo, mas não consegue esconder a forte vocação
autoritária e o gosto pelo exercício do poder absoluto.
Já passou por três
partidos – PRN, PPB-PP e PMDB, este o mais “progressista”. Na verdade é um
espécime legítimo da era pós-ideológica, conservador, populista que poderá até
proclamar-se parlamentarista para mais rapidamente tomar o poder.
Sua adesão ao ideário evangélico e a obsessão em implementá-lo
a qualquer preço faz dele um exemplar calvinista. Como operador, porém, prefere
a lógica do capitalismo.
A promessa de impedir qualquer tentativa de regulação da
mídia (como deseja parte do PT) nada tem de devoção à liberdade de imprensa.
Qualquer projeto que corrija distorções no sistema midiático, por mais leve que
seja, passaria obrigatoriamente pela anulação de concessões de rádio e TV a
parlamentares e pela proibição de cultos religiosos nas emissoras de TV aberta
– largamente utilizados por confissões religiosas, especialmente evangélicas.
Na última semana criou um comissariado para unificar a orientação dos diversos
veículos da Câmara dos Deputados (jornal diário, rádio, portal e TV).
Além das obsessões e preparo físico, ostenta um desembaraço
verbal de radialista, suficiente para não cometer gafes grosseiras.
Engravatado, certinho, sem barba nem bigode, óculos leves, passa a imagem de
confiável, protetor, bom vizinho, bom burguês, capaz de sonhar com rupturas,
mas não com o caos.
Numa coleção de dez fotos tomadas já na presidência da
Câmara, cinco delas mostravam-no com a mão na boca, truque que até jogar de
futebol apreendeu para não ser surpreendido por experts em linguagem labial.
Meteoro fascinante para acompanhar, preocupante como dono do
poder.