O processo que os servidores
da Justiça Federal do Espírito Santo apelidaram de “Helicoca” nasceu do
inquérito policial número 666/2013, aberto no dia 25 de novembro de 2013 e
encerrado em 17 de janeiro de 2014. Em 53 dias, os policiais interrogaram 17
pessoas, entre eles os quatro presos em flagrante, e juntaram 44 documentos.
Mas aquela que é até agora a
prova mais interessante do crime não é encontrada no inquérito, mas no YouTube.
Trata-se de um vídeo de quase 13 minutos, em que um agente da Polícia Federal
registra toda a ação.
O DCM teve acesso ao processo
sigiloso em que o Ministério Público Federal diz que a investigação da
“Helicoca” começou com uma farsa.
O vídeo da apreensão tem
início quando desponta no céu da zona rural de Afonso Cláudio, no interior do
Espírito Santo, o helicóptero cor de berinjela com faixa dourada e o prefixo
GZP – G de Gustavo, Z de Zezé e P de Perrella, as iniciais de seus proprietários,
o deputado estadual Gustavo Perrella, do Solidariedade, e o senador Zezé
Perrella, do PDT, pai e filho.
É fim da tarde de domingo, 24
de novembro. A câmera é operada por um homem escondido atrás de um pé de café.
O ronco do motor e o barulho da hélice não encobrem a fala do policial, que tem
forte sotaque carioca e se comunica por rádio com equipes a postos para o
flagrante.
As imagens, feitas de longe,
são tremidas, o que mostra a falta de um apoio, um tripé. Aparece um carro
branco, com porta-malas aberto, e mais duas pessoas, um de camisa rosa, que
mais tarde seria identificado como o empresário Robson Ferreira Dias, do Rio de
Janeiro, e outro de camisa verde clara, mais tarde identificado como Everaldo
Lopes Souza, um sujeito simples, que se diz jardineiro, ligado a um empresário
de Vitória, Élio Rodrigues, dono da propriedade onde a aeronave deveria ter
pousado. Na última hora, o helicóptero acabou descendo na propriedade
vizinha, que não é cercada.
A três minutos e quarenta
segundos, o policial narra:
— Estão tirando a droga. O
piloto correu para pegar o combustível e eles estão colocando a droga dentro do
carro. O motor não foi cortado, o motor da aeronave não foi cortado. Estão
carregando a droga na mala do carro, o motor não foi cortado, o copiloto foi
buscar os galões. Cadê o helicóptero da PM?
A câmera volta para o plano
aberto e fecha de novo na cena, muito tremida.
— São vários sacos pretos.
Tem muita coisa, galera, muita coisa… vários sacos pretos. Eu acho que o piloto
cortou… cortou o motor! Um segundo…Negativo, o piloto não cortou o motor… está
descarregando a droga, e está começando a abastecer o primeiro galão.
Alguns segundos depois,
avisa, triunfante:
— Positivo! Positivo! Cortou
o motor, o helicóptero cortou o motor! Vamos lá, galera, pode ir. Quem
conseguir pode ir. Vamos lá, tenente! Pode ir, Serra (com a pronúncia fechada,
Sêrra). Eles estão abastecendo. Tem que ser rápido, tem que ir rápido!
Já são 7 minutos de gravação,
a hélice para. Mais tarde, as imagens mostram três homens carregando a droga
para o porta-malas do carro. Um deles está de camisa branca, que não aparece
nas imagens anteriores. É Rogério Almeida Antunes, o piloto do senador Zezé
Perrella e do deputado Gustavo Perrella. O outro piloto, Alexandre José de
Oliveira Júnior, de camisa preta, não aparece nesta imagem. Ele se afastou para
pegar mais combustível.
Imagens tremidas mostram a
mata. Ouve-se chiado no rádio. Quando a câmera volta para a cena principal,
mostra os acusados de tráfico com as mãos na cabeça, se abaixando. Tudo muito
tranquilo.
— Positivo, positivo! Estão
todos eles dominados. Vamos embora, tenente. Adianta o pessoal para dar apoio
lá. Dominados lá os vagabundos. Parabéns, equipe, parabéns. Iurruuuuú. O
show tá doido, maluco! DRE te pega, parceiro!
DRE é a sigla de Delegacia de
Repressão a Entorpecentes, órgão da Polícia Federal. A câmera é desligada
e volta com a imagem da droga no porta-malas e no banco traseiro do carro.
O vídeo foi apresentado à
Justiça pelo procurador da República Fernando Amorim Lavieri como indício de
crime. Não o de tráfico, demonstrado no inquérito, mas de fraude processual e
falso testemunho. Nesse caso, os criminosos seriam os policiais que fizeram a
prisão.
Na denúncia que transforma os
policiais de caçadores em caça, o procurador Lavieri diz que desde o início
desconfiou da versão da polícia para o flagrante. E procurou o responsável pelo
inquérito, delegado Leonardo Damasceno, em busca de esclarecimento, quando
teria ouvido a versão de que o flagrante era, na verdade, resultante de uma
interceptação telefônica realizada em São Paulo.
O procurador também conversou
com um agente da PF, Rafael Pacheco, que teria confirmado a versão do delegado
Damasceno e acrescentado que, em São Paulo, a Justiça e o Ministério Público, “sensíveis
ao flagelo do tráfico”, teriam autorizado interceptações telefônicas
abrangentes, criando uma verdadeira “grampolândia”, daí resultando na apreensão
da droga no helicóptero de Perrella.
Como os dois negaram na
Justiça a versão de Lavieri, o procurador pediu afastamento do caso e se
colocou na condição de testemunha do processo. Um testemunho que só serve como
argumento para a defesa pedir a anulação do processo, como de fato já pediu.